Yvonne A. Pereira, Memórias de um Suicida.
“O Além-túmulo acha-se longe de
ser a abstração que na Terra se supõe”, (...) ele é, antes, simplesmente a Vida
Real, e o que encontramos ao penetrar suas regiões é Vida! Vida intensa a se
desdobrar em modalidades infinitas de expressão, sabiamente dividida em
continentes e falanges como a Terra o é em nações e raças; dispondo de
organizações sociais e educativas” (PEREIRA, 1957).
Colônia
Correcional Maria de Nazaré:
No horizonte “uma região triste
e desolada, envolvida em neblina, (...) não se distinguia, inicialmente, vegetação
nem sinais de habitantes. (...) Apenas longas planícies brancas, colinas salpicando
a vastidão (...) e, ao fundo, plantadas no centro dessa nostalgia desoladora,
muralhas ameaçadoras, a fortaleza grandiosa, padrão das velhas fortificações
medievais (...), não faltava à fortaleza nem mesmo a defesa exterior de um
fosso. Uma ponte desceu sobre ele e o comboio venceu o empecilho fazendo-nos
ingressar definitivamente nessa Colônia. (...) Cidade, conquanto recoberta por
extensos véus de neve, ou cerração pesada. (...) Edifícios soberbos impunham-se
à apreciação, apresentando o formoso estilo português clássico. (...) Casas
residenciais alinhavam-se, graciosas e evocativas na sua estilização nobre e
superior, traçando ruas artísticas que se estendiam laqueadas de branco, como
que asfaltadas de neve. Daquele momento em diante estaríamos sob a tutela
direta de uma das mais importantes agremiações pertencentes à Legião chefiada
pelo grande Espírito Maria de Nazaré” (PEREIRA, 1957).
Posteriormente as devidas
identificações e matriculas na referida colônia, “fomos compelidos ao ingresso
em novos meios de transporte, (...) nossas viaturas agora eram leves e
graciosas, quais trenós ligeiros e confortáveis, puxados pelas mesmas
admiráveis parelhas de cavalos normandos, e com capacidade para dez passageiros
cada um. Ao cabo de uma hora de corrida moderada, durante a qual deixávamos para
trás o bairro da Vigilância, penetrando, por assim dizer, o campo, porque
avançando em região despovoada, conquanto as estradas se apresentassem
caprichosamente projetadas, orladas de arbustos níveos quais flores dos Alpes”.
Assim, ingressamos em “nova província dessa Colônia Correcional localizada nas
fronteiras invisíveis da Terra com a Espiritualidade. (...) Imenso parque
ajardinado surpreendeu-nos (...), enquanto amplos edifícios se elevavam em locais
aprazíveis da situação. Padronizando sempre o estilo português clássico, esses
edifícios apresentavam muita beleza e amplas sugestões com suas arcadas,
colunas, torres, terraços, onde flores trepadeiras se enroscavam acentuando
agradável estética. (...) Ao contrário das demais dependências hospitalares, como
o Isolamento e o Manicômio, o Hospital Maria de Nazaré, não se rodeava de
qualquer barreira. Apenas árvores frondosas, tabuleiros de açucenas e rosas
teciam-lhe graciosas muralhas. (...) Penetramos galerias magníficas, ao longo
das quais portas largas e envidraçadas, com caixilhos levemente azuis (...). Cada
dormitório continha dez leitos alvíssimos e confortáveis (...). Forneceu-nos,
caridosamente, banho e vestuário hospitalar (...). Num ângulo favorável aos dez
leitos uma lareira aquecia o recinto, proporcionando-nos reconforto (...). Repousai
(...), sois todos hóspedes de Maria de Nazaré” (PEREIRA, 1957).
Preparativos para uma visita a
crosta terrestre. “As ordens” foram prepara a (...) “expedição condigna, em a
qual não faltou nem mesmo a guarda de milicianos. Corria regularmente o
veículo. Não fora a presença dos guardiões recordando a cada instante a
natureza espiritual da cena, afirmaríamos tratar-se de carruagem que (...) bem
poderia pertencer à própria Terra. (...) Atravessavam estradas sombrias,
gargantas cobertas de plúmbeas nevadas, desfiladeiros e vales lamacentos quais
brejais desoladores (...). Os viajantes, porém, atingiam agrupamentos como aldeias
miseráveis, habitadas por entidades pertencentes aos planos ínfimos do
Invisível, bandoleiros e hordas de criminosos desencarnados (...). Mas a
flâmula alvinitente, indiciando o emblema da respeitável Legião, fazia-os
recuar atemorizados. (...) E o carro prosseguia sempre, sem que seus ocupantes
se dirigissem a nenhum deles, certos de que não soara ainda para seus corações
endurecidos no mal o momento de serem socorridos (...). A silhueta, a princípio
longínqua, da cidade, desenhou-se palidamente nas brumas tristonhas que
envolvem a atmosfera (...). Alguns instantes mais e a estranha caravana
caminhava pelas ruas da cidade” (PEREIRA, 1957).
Rumo a Terra para
prosseguimento dos tratamentos necessários ao restabelecimento da consciência
dos erros cometidos. “Durante a
viagem seria preferível abstermo-nos de quaisquer palestras. Deveríamos
equilibrar nossas forças mentais, impelindo-as em sentido generoso. Que
procurássemos recordar, durante o trajeto, as instruções que vínhamos recebendo
havia dois meses, recapitulando - as como se devêramos prestar exame. Isso nos
conservaria concentrados, auxiliando, portanto, nossos condutores na defesa que
nos deviam, pois atravessaríamos perigosas zonas inferiores do Invisível, onde
pululavam hordas de desordeiros do Astral inferior, o que indicava ser grande a
responsabilidade daqueles que receberam a incumbência de nos guardar durante a
excursão. O silêncio e a concentração que pudéssemos observar imprimiriam maior
velocidade aos veículos que nos transportassem, afastando possibilidade de
tentativas de assalto por parte daqueles malfeitores, conquanto tivessem os
legionários a certeza de facilmente poderem dominar suas possíveis investidas”
Pág.97. Portanto, nos é claro que no “mundo invisível, proliferam as seduções,
as tentações, a hipocrisia, a mistificação, a maldade, mais ainda do que na
Terra” Pag. 98.
“Ao entardecer, pois, partimos, demandando planos terrenos.
Custodiavam-nos pesada escolta de lanceiros, turmas de assistentes, psiquistas
e técnicos da Vigilância, pois de nenhuma dependência da Colônia, mesmo do
Templo, ninguém visitaria a Terra ou outras localidades vizinhas sem o concurso
valioso dos abnegados e intrépidos obreiros daquele Departamento, os quais em
verdade eram os responsáveis pelas mais árduas tarefas que ali se verificavam.
Já bastante instruídos, portamo-nos à altura das recomendações recebidas.
Nossos comparsas em piores condições, justamente aqueles por quem tantas
operosidades se realizavam, foram transportados em carros apropriados,
rigorosamente fechados e guardados pela fiel milícia hindu, quais prisões
volantes para pestosos, o que nos impossibilitou vê-los” Pág. 99. “Chegados ao termo da
viagem, um deslumbramento surpreendeu nossos olhos habituados às brumas nostálgicas
do Hospital. Era de fazer notar como podíamos ver melhor tudo em derredor, uma
vez na Terra, pois, em tempo algum, jamais víramos edifício tão magnificamente engalanado
de luzes como aquela humilde habitação” Pág. 99.
PEREIRA, A. Yvonne. Memórias de
um Suicida. 10ª Edição, Ed. da FEB, Rio de Janeiro, 1957.